À luz da Bíblia, as informações sobre catástrofes que matam pessoas devem gerar em nós sentimentos e atitudes. Não temos como ficar indiferentes diante de histórias tão tristes, ouvindo relatos dramáticos ou vendo cenas de destruição. Nós nos sentimos pequenos, mas precisamos ir além. Precisamos pensar e amar, agindo.
Entre tantos pensamentos que afloram, quero sugerir alguns, depois de ler Romanos 8.31-38:
Que diremos, pois, diante dessas coisas?
Que diremos, pois, diante dessas coisas?
Se Deus é por nós, quem será contra nós?
Aquele que não poupou seu próprio Filho, mas o entregou por todos nós, como não nos dará juntamente com ele, e de graça, todas as coisas?
Quem fará alguma acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica.
Quem os condenará? Foi Cristo Jesus que morreu; e mais, que ressuscitou e está à direita de Deus, e também intercede por nós.
Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada?
Como está escrito:"Por amor de ti enfrentamos a morte todos os dias; somos considerados como ovelhas destinadas ao matadouro".
Mas, em todas estas coisas somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou.
Pois estou convencido de que nem morte nem vida, nem anjos nem demônios, nem o presente nem o futuro, nem quaisquer poderes, nem altura nem profundidade, nem qualquer outra coisa na criação será capaz de nos separar do amor de Deus que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.
1. PROFUNDIDADE TEOLÓGICA
Precisamos ir além das repetições sobre Deus.
A Bíblia nos fala de um Deus onipotente, onipresente e benevolente. No entanto, quando centenas de vidas vão junto com as águas, desfila diante de nós um Deus impotente, ausente e indiferente.
As tragédias confirmam o ateísmo dos ateus e agnósticos. Ao mesmo tempo, as tragédias são um desafio aos crentes em Deus.
O primeiro desafio é teológico: como confiar em Deus como Senhor, se a natureza parece ter leis próprias e irremovíveis. Mais existencialmente, a questão é: como crer num Deus que intervém se, neste caso, parece, ele tem interveio?
O segundo desafio é kerigmático: como falar de Deus, se a natureza parece senhora, com suas leis surdas e cegas?
Temos que responder nossas perguntas (como: por que Deus não interveio, evitando as mortes?) e as perguntas dos outros (como: Deus é impotente?)
Esta é uma hora para revisarmos nossos conceitos teológicos, muitas repetidos, repetidos, repetidos. O que aprendemos sobre Deus é essencial, mas o que aprendemos precisa se tornar nosso, para que nos ajude na hora da tragédia.
No contexto das tragédias naturais, muitos preferem simplificar, atribuindo as mortes à vontade de Deus. O fatalismo não é uma idéia que venha da Bíblia. O Deus revelado na Bíblia não nos pede para que aceitemos as coisas ruins da vida. A Bíblia, no entanto, nos lembra que coisas ruins acontecem a todos, sejam pessoas boas, sejam pessoas ruins. A existência de acontecimentos dolorosos deve ser vista como uma realidade, às vezes, inevitável, o que é muito diferente do conformismo. O acontecimento ruim é um acontecimento ruim. Não é para ser aceito como bom. A Bíblia nos capacita a ter uma atitude, diante de acontecimentos trágicos, que não é o conformismo, mas o realismo: que faremos diante dos fatos avassaladores? Deixarmo-nos derrotar ou ser mais que vencedores?
Um conceito sobre Deus apenas repetido não nos serve quando ele é efetivamente necessário. A teologia de Jó, por exemplo, ruiu quando os pilares da sua vida (a saúde e a riqueza) ruíram. No meio do redemoinho, a teologia de Jó deixou de ser uma repetição, para ser uma convicção baseada na razão e na experiência, o que o levou a confessar: "Meus ouvidos já tinham ouvido a teu respeito, mas agora os meus olhos te viram" (Jó 42.5).
Precisamos reafirmar nossa crença na soberania de Deus, mesmo tremendo diante da avalanche de terra sobre as vidas. Deus intervém -- esta é uma afirmativa de fé --, embora não saibamos porque não interveio nesse tão necessário momento. Na verdade, sabemos mais quando Ele não intervém e menos quando ele intervém. Quantos morreram porque Deus não interveio? Quantos não morreram porque Deus interveio?
Esta é uma hora para exercitarmos nossa humildade, reconhecendo corajosamente que não temos todas as respostas. A grande descoberta de Jó, diferentemente dos seus amigos que não descobriram nada, foi que o seu sofrimento não teve causa. Aconteceu. Tendo acontecido, como deveria agir -- eis a verdadeira questão.
Esta é uma hora para fortalecermos a nossa fé, rogando a Deus que nos dê a capacidade de confiar que nem a morte nos separa do seu amor.
2. SOLIDARIEDADE
Precisamos de manifestar nossa solidariedade para com as vítimas.
Ser solidário é fazer o que pudermos fazer pelo outro, seja próximo ou esteja distante.
Ser solidário é receber a notícia da morte do próximo como algo que nos nos diminui (conforme a expressão de John Donne).
O contrário é a indiferença, que é uma forma de crueldade. Dou um triste exemplo real: um carreteiro que transportava bois tombou numa rodovia no Pará. Enquanto seu corpo jazia entre as ferragens, as pessoas saqueavam a carreta, retalhando os animais e carregando nas costas. Um disse: "Tive sorte. Peguei um boi inteiro". Um motorista morto era menos importante que um boi que se podia comer.
O contrário da crueldade é a solidariedade. No caso da região serrana do Rio (em janeiro de 2011), um medico da capital fechou o seu consultório e foi para a região afetada ajudar as vitimas.
Na solidariedade, Deus é o nosso modelo. Quando lemos os Evangelhos, nós vemos Jesus chorando. Numa delas, "quando se aproximou e viu a cidade, Jesus chorou sobre ela" (Lucas 19.41). Todo o percurso de Deus entre nós é uma longa história de solidariedade. Jesus não só chorou por nós, mas se fez igual a nós, experimentando as nossas dores completamente.
3. GENEROSIDADE
Precisamos revisar nosso estilo de vida, não apenas nas tragédias, mas a partir delas.
Generoso é quem sabe que Deus age através de nós.
A vida não nos pode separar do amor de Deus. Nós somos agentes desse amor. Tendo recebido amor, partilhamos amor.
Uma tragédia é um desafio ao nosso estilo de vida, acumulando, acumulando, acumulando. É isto mesmo que importa. É isto mesmo que queremos para as nossas vidas?
4. RESPONSABILIDADE
Precisamos avaliar a nós mesmos, para ver se estamos sendo responsáveis para com a terra e para com a vida.
. Responsabilidade para com a terra
A terra nos foi entregue por Deus para cuidarmos dela.
Deus nos entregou a terra imperfeita, para que terminássemos a sua obra.
E o que fazemos?
Jogamos lixo onde não devemos.
Votamos em governantes incompetentes e corruptos.
Precisamos de generosidade para com a terra, não de exploração exaustiva dela.
Ouvimos que cuidar da terra é uma questão se sobrevivência: cuidando da terra, mais a teremos para dela usufruir. Esta é uma visão equivocada. Ecologia é uma questão espiritual, porque é uma questão de generosidade. Cuidar da terra é um mandamento de santidade.
. Responsabilidade para com a vida
A nossa vida nos foi entregue por Deus para cuidarmos dela.
Cuidamos da nossa vida quando cuidamos do nosso corpo, quando cuidamos de nossa saúde, desenvolvendo ações que já sabemos quais são.
Cuidamos da nossa vida quando desenvolvemos um estilo de vida cuidadoso, com relação aos recursos naturais e aos recursos financeiros.
Cuidamos da nossa vida, quando a desfrutamos com humildade e intensidade. Devemos ser humildes diante das conquistas, por maiores que sejam. Devemos viver a vida com intensidade, sabendo-a efêmera.
Que as tragédias não precisem nos ensinar a viver.
ISRAEL BELO DE AZEVEDO